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6. No desenvolvimento do texto, começarei por uma abertura inspirada na Sagrada Escritura, que lhe dê o tom adequado. A partir disso, considerarei a situação actual das famílias, para manter os pés assentes na terra. Depois lembrarei alguns elementos essenciais da doutrina da Igreja sobre o matrimónio e a família, seguindo-se os dois capítulos centrais, dedicados ao amor. Em seguida destacarei alguns caminhos pastorais que nos levem a construir famílias sólidas e fecundas segundo o plano de Deus, e dedicarei um capítulo à educação dos filhos. Depois deter-me-ei sobre um convite à misericórdia e ao discernimento pastoral perante situações que não correspondem plenamente ao que o Senhor nos propõe; e, finalmente, traçarei breves linhas de espiritualidade familiar.
33. Por outro lado, «há que considerar o crescente perigo representado por um individualismo exagerado que desvirtua os laços familiares e acaba por considerar cada componente da família como uma ilha, fazendo prevalecer, em certos casos, a ideia dum sujeito que se constrói segundo os seus próprios desejos assumidos com carácter absoluto».[12] «As tensões causadas por uma cultura individualista exagerada da posse e fruição geram no seio das famílias dinâmicas de impaciência e agressividade».[13] Gostaria de acrescentar o ritmo da vida actual, o stresse, a organização social e laboral, porque são factores culturais que colocam em risco a possibilidade de opções permanentes. Ao mesmo tempo, encontramo-nos perante fenómenos ambíguos. Por exemplo, aprecia-se uma personalização que aposte na autenticidade em vez de reproduzir comportamentos prefixados. É um valor que pode promover as diferentes capacidades e a espontaneidade, mas, se for mal orientado, pode criar atitudes de permanente suspeita, fuga dos compromissos, confinamento no conforto, arrogância. A liberdade de escolher permite projectar a própria vida e cultivar o melhor de si mesmo, mas, se não se tiver objectivos nobres e disciplina pessoal, degenera numa incapacidade de se dar generosamente. De facto, em muitos países onde diminui o número de matrimónios, cresce o número de pessoas que decidem viver sozinhas ou que convivem sem coabitar. Podemos assinalar também um louvável sentido de justiça; mas, mal compreendido, transforma os cidadãos em clientes que só exigem o cumprimento de serviços.
37. Durante muito tempo pensámos que, com a simples insistência em questões doutrinais, bioéticas e morais, sem motivar a abertura à graça, já apoiávamos suficientemente as famílias, consolidávamos o vínculo dos esposos e enchíamos de sentido as suas vidas compartilhadas. Temos dificuldade em apresentar o matrimónio mais como um caminho dinâmico de crescimento e realização do que como um fardo a carregar a vida inteira. Também nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las.
73. «O dom recíproco constitutivo do matrimónio sacramental está enraizado na graça do baptismo, que estabelece a aliança fundamental de cada pessoa com Cristo na Igreja. Na mútua recepção e com a graça de Cristo, os noivos prometem-se entrega total, fidelidade e abertura à vida, e também reconhecem como elementos constitutivos do matrimónio os dons que Deus lhes oferece, tomando a sério o seu mútuo compromisso, em nome de Deus e perante a Igreja. Ora, na fé, é possível assumir os bens do matrimónio como compromissos que se podem cumprir melhor com a ajuda da graça do sacramento. (...) Portanto, o olhar da Igreja volta-se para os esposos como o coração da família inteira, que, por sua vez, levanta o seu olhar para Jesus».[65] O sacramento não é uma «coisa» nem uma «força», mas o próprio Cristo, na realidade, «vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio. Fica com eles, dá-lhes a coragem de O seguirem, tomando sobre si a sua cruz, de se levantarem depois das quedas, de se perdoarem mutuamente, de levarem o fardo um do outro».[66] O matrimónio cristão é um sinal que não só indica quanto Cristo amou a sua Igreja na Aliança selada na Cruz, mas torna presente esse amor na comunhão dos esposos. Quando se unem numa só carne, representam o desposório do Filho de Deus com a natureza humana. Por isso, «nas alegrias do seu amor e da sua vida familiar, Ele dá-lhes, já neste mundo, um antegozo do festim das núpcias do Cordeiro».[67] Embora «a analogia entre o casal marido-esposa e Cristo-Igreja» seja uma «analogia imperfeita»,[68] convida a invocar o Senhor para que derrame o seu amor nas limitações das relações conjugais.
104. O Evangelho convida a olhar primeiro a trave na própria vista (cf. Mt 7, 5), e nós, cristãos, não podemos ignorar o convite constante da Palavra de Deus para não se alimentar a ira: «Não te deixes vencer pelo mal» (Rm 12, 21); «não nos cansemos de fazer o bem» (Gal 6, 9). Uma coisa é sentir a força da agressividade que irrompe, e outra é consentir nela, deixar que se torne uma atitude permanente: «Se vos irardes, não pequeis; que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento» (Ef 4, 26). Por isso, nunca se deve terminar o dia sem fazer as pazes na família. «E como devo fazer as pazes? Ajoelhar-me? Não! Para restabelecer a harmonia familiar basta um pequeno gesto, uma coisa de nada. É suficiente uma carícia, sem palavras. Mas nunca permitais que o dia em família termine sem fazer as pazes».[112] A reacção interior perante uma moléstia que nos causam os outros, deveria ser, antes de mais nada, abençoar no coração, desejar o bem do outro, pedir a Deus que o liberte e cure. «Respondei com palavras de bênção, pois a isto fostes chamados: a herdar uma bênção» (1Ped 3, 9). Se tivermos de lutar contra um mal, façamo-lo; mas sempre digamos «não» à violência interior.
105. Se permitirmos a entrada dum mau sentimento no nosso íntimo, damos lugar ao ressentimento que se aninha no coração. A frase logízetai to kakón significa que se «tem em conta o mal», «trá-lo gravado», ou seja, está ressentido. O contrário disto é o perdão; perdão fundado numa atitude positiva que procura compreender a fraqueza alheia e encontrar desculpas para a outra pessoa, como Jesus que diz: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34). Entretanto a tendência costuma ser a de buscar cada vez mais culpas, imaginar cada vez mais maldades, supor todo o tipo de más intenções, e assim o ressentimento vai crescendo e cria raízes. Deste modo, qualquer erro ou queda do cônjuge pode danificar o vínculo de amor e a estabilidade familiar. O problema é que, às vezes, atribui-se a tudo a mesma gravidade, com o risco de tornar-se cruel perante qualquer erro do outro. A justa reivindicação dos próprios direitos torna-se mais uma persistente e constante sede de vingança do que uma sã defesa da própria dignidade.
113. Os esposos, que se amam e se pertencem, falam bem um do outro, procuram mostrar mais o lado bom do cônjuge do que as suas fraquezas e erros. Em todo o caso, guardam silêncio para não danificar a sua imagem. Mas não é apenas um gesto externo, brota duma atitude interior. Também não é a ingenuidade de quem pretende não ver as dificuldades e os pontos fracos do outro, mas a perspectiva ampla de quem coloca estas fraquezas e erros no seu contexto; lembra-se de que estes defeitos constituem apenas uma parte, não são a totalidade do ser do outro: um facto desagradável no relacionamento não é a totalidade desse relacionamento. Assim é possível aceitar, com simplicidade, que todos somos uma complexa combinação de luzes e sombras. O outro não é apenas aquilo que me incomoda; é muito mais do que isso. E, pela mesma razão, não lhe exijo que seja perfeito o seu amor para o apreciar: ama-me como é e como pode, com os seus limites, mas o facto de o seu amor ser imperfeito não significa que seja falso ou que não seja real. É real, mas limitado e terreno. Por isso, se eu lhe exigir demais, de alguma maneira mo fará saber, pois não poderá nem aceitará desempenhar o papel dum ser divino nem estar ao serviço de todas as minhas necessidades. O amor convive com a imperfeição, desculpa-a e sabe guardar silêncio perante os limites do ser amado.
131. Quero dizer aos jovens que nada disto é prejudicado, quando o amor assume a modalidade da instituição matrimonial. A união encontra nesta instituição o modo de canalizar a sua estabilidade e o seu crescimento real e concreto. É verdade que o amor é muito mais do que um consentimento externo ou uma forma de contrato matrimonial, mas é igualmente certo que a decisão de dar ao matrimónio uma configuração visível na sociedade com certos compromissos manifesta a sua relevância: mostra a seriedade da identificação com o outro, indica uma superação do individualismo de adolescente e expressa a firme opção de se pertencerem um ao outro. Casar-se é uma maneira de exprimir que realmente se abandonou o ninho materno, para tecer outros laços fortes e assumir uma nova responsabilidade perante outra pessoa. Isto vale muito mais do que uma mera associação espontânea para mútua compensação, que seria a privatização do matrimónio. Este, como instituição social, é protecção e instrumento para o compromisso mútuo, para o amadurecimento do amor, para que a opção pelo outro cresça em solidez, concretização e profundidade, e possa, por sua vez, cumprir a sua missão na sociedade. Por isso, o matrimónio supera qualquer moda passageira e persiste. A sua essência está radicada na própria natureza da pessoa humana e do seu carácter social. Implica uma série de obrigações; mas estas brotam do próprio amor, um amor tão decidido e generoso que é capaz de arriscar o futuro. 2b1af7f3a8